No ano em que completa duas décadas, o Museu Oscar Niemeyer (MON) realiza a aguardada exposição “Bancos Indígenas do Brasil”. A inauguração será no dia 23 de junho, na Sala 6. A curadoria é de Marisa Moreira Salles e Tomas Alvim.
A mostra reúne mais de 200 bancos, pertencentes à Coleção BEĨ, provenientes de 40 etnias da Amazônia. Dividida em duas partes, a primeira é dedicada à extensa produção da Terra Indígena do Xingu, localizada no Mato Grosso. A segunda parte reúne demais povos indígenas de várias partes da Amazônia, localizadas no Acre, Pará, Tocantins, Maranhão, Roraima, Amapá e Amazonas. A exposição conta ainda com um banco de uma etnia de Santa Catarina e com seis grandes imagens feitas pelo fotógrafo Rafael Costa, no Território Indígena do Xingu (TIX).
“A arte indígena, assim como a asiática e a africana, sempre inspirou artistas. Cada vez mais aberto e plural, o Museu Oscar Niemeyer coloca lado a lado culturas diversas que, ao mesmo tempo que conversam, demonstram sua singularidade e nos permitem uma interessante visão de mundo”, afirma a diretora-presidente do MON, Juliana Vosnika.
Ela comenta que, ao realizar a exposição “Bancos Indígenas do Brasil”, o MON cumpre um dos principais papéis de um museu: o de estabelecer diálogos entre culturas e territórios por meio da arte.
“Se pensarmos nos povos indígenas como primeiros designers brasileiros, podemos alongar o olhar sobre a sua imensa contribuição em variados aspectos da cultura”, diz Juliana.
Os curadores explicam que a Coleção BEĨ nasceu de um deslumbramento estético com a inequívoca beleza de formas, cores, grafismos e texturas dos bancos indígenas brasileiros. “Sua trajetória parte do encantamento para a compreensão mais profunda de seus significados”, afirma Marisa Moreira Salles. “Ao abordar a arte dos povos originários com a realização dessa grandiosa exposição, o MON mostra o seu vanguardismo”, comenta Tomas Alvim.
Diálogo entre coleções de arte
A diretora-presidente do MON conta sobre uma incrível coincidência que aconteceu com a chegada da coleção de Poty Lazzarotto, incorporada oficialmente ao acervo do Museu em 29 de março de 2022 (dia do aniversário de Curitiba e data em que seria o aniversário de Poty). Entre milhares de obras, há desenhos de bancos indígenas feitos por Poty, quando passou uma temporada no Xingu na década de 1960.
Os desenhos estarão disponíveis ao visitante, simultaneamente à exposição “Bancos Indígenas do Brasil”, num pequeno recorte da mostra, no hall térreo do Museu, próximo à saída de visitantes. “Tal afinidade prova a permeabilidade da arte”, afirma Juliana.
A Coleção BEĨ nasceu de um deslumbramento estético, num contato casual com as peças. O interesse, àquela altura, eram os bancos em si, a inequívoca beleza de suas formas, cores, grafismos e texturas. A funcionalidade aliada à elegância revelava uma clara proximidade dos bancos com o design contemporâneo, ao mesmo tempo em que eles carregavam a história e a cultura dos povos que os fabricavam. O mergulho nesse universo estético ajudou ainda a iluminar as ligações entre a arte brasileira “oficial” e a arte indígena – ou, em outras palavras, mostrou o quanto as manifestações artísticas do Brasil urbano e moderno devem à arte de seus povos originários. Tornou-se claro que a coleção não era um agrupamento de objetos exóticos, mas uma reunião de obras que diziam respeito à identidade brasileira. O aprofundamento dessa constatação resultou também, inevitavelmente, no estreitamento dos laços com as etnias indígenas e seus artistas.
A publicação do livro “Bancos Indígenas do Brasil”, em 2015,marca um ponto de inflexão na Coleção BEĨ. O longo processo de edição que precedeu o lançamento foi também um período de transformações conceituais. Se o objetivo inicial do livro era documentar o acervo, a complexidade das peças acabou por impor uma série de questionamentos de difícil resposta, pois os bancos esfumaçam os limites entre a arte e o artefato, o objeto sagrado e a mercadoria, a tradição e a experimentação. Embora tenham peso simbólico e ritualístico, eles respondem também à demanda de compradores e colecionadores; são fabricados de acordo com técnicas e modelos imemoriais, transmitidos de geração a geração, mas são também obras únicas, nas quais é possível reconhecer não apenas os sinais da cultura de que provêm, mas também o estilo único daquele que as talhou – a marca do autor, que não se confunde com o grupo. Ao publicar o nome desses criadores – o que exigiu em alguns casos meses de pesquisas –, o livro os reconheceu e legitimou como artistas.
A partir do lançamento do livro, os bancos foram adquirindo crescente visibilidade fora das aldeias e do universo da pesquisa antropológica. Peças do acervo da coleção foram expostas em diferentes exposições, dentro e fora do Brasil, com a presença de artistas indígenas.
Esse movimento de exposição ao mundo exterior revelou, de forma mais aberta, o modus vivendi daqueles que fabricavam os bancos. À medida que artistas indígenas conquistavam voz e espaço nesse novo contexto, escancararam-se a potência e a vulnerabilidade de sua cultura de origem.
Assim, num terceiro momento, a Coleção BEĨ voltou a dirigir a atenção para a coletividade: não se tratava mais de pensar os bancos como artefatos criados por etnias indígenas homogêneas, mas de entender que cada artista, em sua singularidade, é membro de uma comunidade marcada historicamente pela exclusão, pela violência e por um isolamento que se tornou ainda mais dramático com a pandemia de covid-19.
A diversidade de formas, dimensões e grafismos é nítida. Ao mesmo tempo, ao se manterem mais próximos dos padrões tradicionais e primevos de produção, os bancos revelam um pouco da extrema sofisticação estética das civilizações que floresceram no Brasil pré-colonial. Dessa forma, a partir de um único objeto, de um objeto “menor” como um banco, pode-se reconstruir toda a variedade, a diversidade e o refinamento das culturas ancestrais brasileiras, que permanecem vivas, a despeito das reiteradas agressões a que vêm sendo submetidas.
A dinâmica da Coleção BEĨ funciona em uma relação de mão dupla: por um lado, comprar, preservar, catalogar e expor os bancos resulta em um aprendizado em várias esferas – cultural, artística, ambiental, pessoal; por outro, esse movimento oferece uma oportunidade para que as comunidades indígenas conquistem espaço, reconhecimento e autonomia.
Esta exposição é mais uma etapa desse caminho de amadurecimento, não apenas da coleção em si, mas sobretudo da relação da coleção com as aldeias indígenas. Ela é resultado de uma trajetória que vai do encantamento inicial pela arte tradicional até a compreensão mais profunda de seus significados, além da consciência de que esses povos têm de ser vistos e ouvidos, compreendidos em suas singularidades e respeitados em suas decisões.
Uma mostra no Museu Oscar Niemeyer, grande mestre da arquitetura brasileira, é simbólica pela dimensão do espaço oferecido à coleção, mas principalmente porque o arquiteto sempre teve uma relação estreita com a estética dos povos indígenas do Brasil. Segundo Ciro Pirondi, presidente da Fundação Oscar Niemeyer, “o desenho como expressão de uma liberdade presente na cultura material dos indígenas brasileiros compõe a memória das cúpulas ou ocas em concreto de Oscar Niemeyer. As tramas de madeira presentes na estrutura das habitações coletivas indígenas são substituídas por aço e cimento das cúpulas do Planalto, do Ibirapuera e do ‘Olho’ do Museu Niemeyer”.
Queremos expressar nosso agradecimento a Kátia Avillez, que idealizou a exposição e desde o início da Coleção BEĨ trabalhou pela promoção do design indígena; a Marcelo Conrado, pela parceria nas reflexões sobre arte indígena, e à presidente do Museu Oscar Niemeyer, Juliana Vellozo Almeida Vosnika, e equipe, que acolheram a mostra de maneira generosa e sábia, colocando-a ao lado das coleções de arte africana e asiática, compondo um panorama das matrizes da linguagem estética brasileira em uma das instituições culturais mais importantes do país.
Marisa Moreira Salles e Tomas Alvim
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