O Museu Oscar Niemeyer apresentou as obras de Miguel Bakun, pertencentes a entidades, colecionadores e familiares, que reunidas às obras do próprio acervo revelaram uma valorosa coleção deste artista paranaense. Realizada em 3 salas do museu, no período de 02 de dezembro de 2003 a 07 de março de 2004, a exposição trouxe todo o mundo particular e expressionista do artista representado em pinturas, desenhos, estudos e objetos pessoais.
Um dos mais autênticos expressionistas paranaenses
Totalmente infundada é a afirmação de alguns críticos, que querem ver em Bakun apenas um impressionista, um pintor da paisagem de Curitiba e arrabaldes. Como há muitos anos, já observou Viaro: “Sua pintura é subjetiva: sem sol, sem ar, como a alma dele”. Falta-lhe portanto a objetividade tipicamente impressionista, e nem poderia deixar de sê-lo.
Já por seu próprio tipo físico, talvez, por sua ascendência eslava, lembrava um personagem de Dostoievski. Era magro, vestia-se displicentemente, no rosto anguloso brilhavam angústia e pureza dos olhos azuis. Também em sua atitude psicológica será sempre um Roskolnikov ou um Ivan Karamazov, que sentirá o fantasma da solidão, mesmo quando está com outros. O problema do misticismo em conflito com a liberdade individual, a humanidade, o orgulho, a autopunição, a os devaneios intermináveis, são tumultos tipicamente dostoievskianos, que viverão dentro dele.
Tremendamente sincero, como conseqüência, sua pintura será subjetiva, pois jamais deixará de ser um puro, ingênuo e instintivo e, ao mesmo tempo um hipersensível, que guardará intacta a expressão de uma mensagem dramaticamente humana.
Suas pinturas são vividas emocionalmente, produzidas por um pintor sem dogmas acadêmicos, que tem apenas um compromisso: o ato de criar.
Sua ânsia criativa é tal que explode de vibração das luzes, no alucinante bater das ondas de suas marinhas; ou se turbilhona nas paisagens, reflexos de sua agitação interior.
No amarelo pardo das suas telas um mundo de interrogações: um incompreendido? Um Místico? Um louco? Um marginal no seu meio? Um artista da era aquário, vários anos-luz, à frente da visão comum?
Sem escola, sem alguém que lhe desse a mão no momento final – em Bakun e sua obra – a eterna busca, o impasse, o desafio, a interrogação.
Não usa desenho, e sim matéria pictórica em si, generosa, sensual em massa e relevo; sem qualquer espécie de delimitação gráfica.
Aquele turbilhão em movimento personaliza a paisagem que não é mais a anotação objetiva da natureza, mas a nervosa autobiografia do artista.
Bastante sintomática é a sua tela “Roda de Crianças”, pintada de maneira ingênua – em sua despreocupação infantil – mas, ao mesmo tempo com algo de fantoches impertubáveis que dançam esta maníaca e louca dança da vida.
Em algumas obras da fase final como “Paisagem com duas casas e árvores sugerindo monstros”, ultrapassa do expressionismo para evocar presenças alucinantes, insolitamente surrealistas.
Seu inegável misticismo panteísta: ”Comecei a procurar Deus e observei que se encontrava nas flores, frutos, cores, vida, luz e movimento”, entra em conflito com a angustiosa situação que o levará ao trágico fim. Sua pureza continua, porém, em suas obras, e permanecerá depois que nós passarmos.
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foto: Divulgação MON
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O INÍCIO
Miguel Bakun nasceu a 28 de outubro de 1909 na pequena cidade de Marechal Mallet, no interior sul – paranaense. Eram seus pais o ferroviário Pedro Bakun, de nacionalidade rutena e Júlia Marcienovicz. Em função do trabalho do pai, Miguel Bakun passou parte da infância em Sorocaba e em Ponta Grossa, onde estudou na escola do professor Nhonhô, no bairro operário de Vilas Oficinas. Desde cedo sentiu grande inclinação artística; o que, porém, não era visto com bons olhos pela família.
Assim foi muito a contragosto, que aos dez anos (1919) se tornou aprendiz de alfaiate, profissão que se chocava com sua maneira de ser.
Embora não tivesse muita inclinação para as coisas do mar, seus sonhos de conhecer o mundo, seu desejo de auxiliar a família, compeliram-no a matricular-se na Escola de Aprendizes da Marinha em Paranaguá (1926). Pouco depois, irrompe nesta cidade um surto de peste bubônica, do qual felizmente sai ileso. É transferido para a Escola de Grumetes do Rio de Janeiro, sendo que nesta ocasião o Sanatório Naval de Nova Friburgo registra seu internamento.
Em 1928 retorna à ativa, e durante um estágio na Ilha de Villegaignon tem a oportunidade de conhecer o cabo Pancetti – que ainda não se tornara o internacionalmente conhecido pintor de marinhas – mas que, na época, já era dotado de singular visão criativa. Até que ponto o contato direto com o mar, o vento, a amplidão do céu, as viagens às terras distantes – costas da Europa, América do Norte e do Sul – e, sobretudo, este encontro com Pancetti teriam influenciado o destino de Miguel Bakun?
Em 1o de Fevereiro de 1930, em virtude de uma queda do mastro de um navio, após novo internamento no Hospital Central da Marinha, é definitivamente desligado por incapacidade física.
Vindo radicar-se em Curitiba, tenta inicialmente ganhar a vida como fotógrafo-ambulante. Incentivado por Groff e Viaro, apesar da falta de uma formação acadêmica – conhecimento de desenho perspectiva e, técnicas elementares de pintura – passa a se dedicar profissionalmente à pintura.
Em 1937, Bakun aluga uma casa à Rua Silva Jardim, onde instala o seu ateliê e passa a residir. Aí conhece Tereza Veneri, viúva de um oficial do exército, que morava defronte à sua casa, com quem contrairia matrimônio a 09 de Abril de 1938.
Em 1939, Bakun resolve tentar novamente a vida no Rio de Janeiro, onde reencontra Pancetti. Logo a grande dificuldade de, também ali, conseguir sobreviver de pintura.
Extremamente religioso dirige-se várias vezes ao Morro de Santa Tereza, pede um sinal. Tendo encontrado nas vizinhanças, uma nota de cinqüenta mil réis interpreta como um aviso: o que o faz retornar imediatamente a Curitiba.
É curioso que, segundo o artista, fatos como este – entremeados de sabor fantástico – como o pacote de dinheiro encontrado numa igreja; ou a nota que lhe foi jogada do interior de um automóvel quando estava extremamente necessitado, foram comuns ao longo de sua vida.
A SOLIDIFICAÇÃO
Em inícios da década de quarenta, Bakun instala seu ateliê num velho sobrado da Praça Tiradentes (perto da Praça Generoso Marques) – cedido pela Prefeitura Municipal - que não tardaria a aglutinar em torno de si grande número de pintores modernos, entre os quais Previdi, Loio Pérsio, Alcy Xavier e Marcel Leite.
Segundo Nelson Luz e Theodoro De Bona, é então que Bakun descobre as cores primárias e complementares. Um dia, revela emocionado e eufórico que – com apenas três cores – vermelho, amarelo e azul poderia obter todas as outras.
Esta sua ingenuidade, motivo constante de chacotas por parte dos acadêmicos, faz as delícias da nova geração de artistas plásticos, que nele reconhecia um puro. A surpreendente emotividade que consegue ultrapassar, a deficiência de sua formação não escapa também a críticos mais perspicazes como Andrade Muricy e José Geraldo Vieira, ou intelectuais como Oscar Martins Gomes e Raul Rodrigues Gomes.]
Em 1947, recebe a Medalha de Ouro do 1o Salão Oficial do Clube Concórdia, logo em seguida, o Prêmio em dinheiro no IV Salão Paranaense de Belas Artes. Por volta de 49, é convidado a expor em Marechal Mallet, sua cidade natal. Em 50, a convite de Moysés Lupion, decora com pinturas o Salão dos papagaios da mansão na Avenida Batel (ex-sede do canal 12). Já para a residência de Núncio Daquino executa uma paisagem de Guaraqueçaba.
A sua produção é então febril – pinta o dia inteiro – retratos, natureza mortas e sobretudo paisagens, que se acumulam em seu ateliê.
O TRÁGICO FIM
Este estado de agitação é acompanhado por crises de melancolia e misticismo. Freqüenta algumas seções espíritas, para em seguida mortificar-se, indo diariamente à Igreja.
Oscar Martins Gomes percebe sua angústia – “Quando se manifestaram suas perturbações de saúde, que causavam impressão de um forte esgotamento nervoso levei-o a consultar o acatado especialista professor Alô Guimarães, meu velho amigo, que lhe ministrou de boa vontade o necessário tratamento. Mas o mal era irreversível”.
Outros amigos tentaram ajudá-lo, levando-o a pintar casas no interior, ou paisagens de cafezais em fazendas.
Além da sensibilidade aguçada e do espiritualismo mórbido, Bakun sofre muito com a sua situação econômica que se agrava na década de 60, mediante a marginalização imposta aos pintores figurativos. Acredita que, com a chegada do abstracionismo, sua arte não teria mais vez, inclusive junto aos artistas da nova geração, por quem sentia mais afinidade do que com os acadêmicos. Sente-se lamentavelmente só.
Para seu mundo em crise, um pequeno detalhe poderia ser a gota d’água. Efetivamente os resultados do XIX Salão Paranaense de 62 desgostaram-no profundamente.
Seu estado depressivo acentua-se cada vez mais, até que, numa tarde quente de 03 de Fevereiro de 1963, o fim trágico... Bakun se suicida , se enforcando em seu ateliê.
Além de seu próprio estado e das múltiplas pressões, até que ponto teria sido influenciado em sua admiração por Van Gogh e Getúlio Vargas? No meio de seus papéis foi encontrada uma cópia da carta de adeus de Vargase, paradoxalmente, as páginas de um diário, impregnadas de convulsões místicas: - “Hoje dia 29 de Maio de 1960, implorei ao Papa Pio XII para me conceder o poder de externar a Deus em minhas telas. O sinal foi dado de imediato, um grande estrondo, que chegou a abalar o atelier, em seguida, o visível, a luz apagou totalmente, terminada a oração”. Apagou-se como a vida de Bakun se apagaria três anos mais tarde. O banquete antropofágico em que nossos mitos vem sendo paulatinamente devorados, áfaria, mais uma de suas vítimas...
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