Objeto de estudo de especialistas reconhecidos, a obra de Miguel Bakun (1909-1963) permanece no presente como uma importante contribuição ao modernismo brasileiro. Devidamente analisada, amagnitude de sua produção reflete e fundamenta a cultura da arte no Paraná, para “retornar” a todo o público como bagagem e herança artística. Um expoente da arte paranaense que ganha ainda maior valor quando são descobertos os caminhos do autodidatismo de Bakun.
Após viver um breve período no Rio de Janeiro e deixar a Marinha, onde conheceu Pancetti, retornou e começou a participar de um ateliê coletivo. O intenso convívio com artistas e intelectuais, da Curitiba dos anos de 1940, estimulou sua fértil produção. As limitações financeiras e a falta de estudo formal em arte, que poderiam servir de obstáculos, levaramBakun a desenvolver uma pintura muito própria, em uma incondicional entrega como pintor. O legado dessa entrega pode ser observado nas pinturas e desenhos em exibição.
Com o patrocínio do BRDE, COMPAGÁS, COPEL e o apoio do Ministério da Cultura, do Governo do Paraná e da Caixa Econômica Federal, a seleção apresenta algumas obras pouco conhecidas do público. Nelas, o pintor traduziu com emotividade as relações do homem e da natureza. Em comemoração ao centenário de nascimento do artista, o Museu Oscar Niemeyer propõe uma releitura contemporânea da obra do pintor, no contexto da arte moderna brasileira.
Maristela Quarenghi de Mello e Silva Secretária Especial para Coordenação do Museu Oscar Niemeyer
Images
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
Foto: Divulgação MON
MIGUEL BAKUN – NA BEIRA DO MUNDO
A presente exposição prossegue e, de certo modo, culmina – dada a grande afluência de público ao Museu Oscar Niemeyer – o processo de releitura contemporânea da obra singular de Miguel Bakun (1909 – 1963).* Em primeiro lugar, trata-se de situá-la e, de uma vez por todas, fixá-la em seu contexto histórico adequado: o modernismo brasileiro, com seu ímpeto pioneiro, seus dilemas, suas expectativas e suas limitações. É aí com certeza, ao lado de Guignard e Pancetti, Goeldi e Segall, que a pintura e o desenho de Bakun fazem todo sentido – o seu élan e a sua angústia afloram e só podiam aflorar em meio a uma precária mas já inescapável vida moderna brasileira. E o caráter episódico da Semana de Arte Moderna de 1922, com suas tendências antagônicas, que mal se reconheciam como tais, o comprova: a razão estética autônoma permanecia entre nós alguma coisa vaga, semicompreendida, ao mesmo tempo em que anunciava o futuro problemático e inelutável. Muito concretamente, pelo menos em artes plásticas, o Brasil culto não revelaria nenhuma vocação moderna a si mesma; pelo contrário, elas só se exerceriam aqui a contrapelo, sob o signo da estranheza ou da indiferença. E o que valia para um alto expressionista, um nobre bárbaro por exigência cultural, quase por dever cívico, Oswaldo Goeldi, valia também para um pintor desgarrado, de origens humildes, do interior do Paraná. Goeldi só enxergava na Capital da República o que ela não queria ver – os traços recalcitrantes de um passado pré-capitalista que com o tempo foram se mostrando proféticos, dramaticamente afins a seu aspecto atual à época do capitalismo tardio. A Miguel Bakun coube, por sua vez, a tarefa de dar a uma natureza remota, sem retrato histórico – e que sequer exalava o perfume tropical excitante ao imaginário europeu – sua fisionomia lírica moderna. Ele foi o primeiro a transfigurá-la na acepção plena do termo: torná-la matéria expressiva de sua arte.
E, como é costume ocorrer com os artistas significativos, tudo o que em princípio conspirava contra ele, acabou por favorecê-lo, ajudou a moldar a feição única de um destino de exceção. A começar pela solidão elementar, física e cultural, daquelas paragens, feitas sob medida para a legendária melancolia da alma eslava. Bakun se sentia aí perfeitamente em casa, isto é, um eterno estrangeiro. Os seus momentos importantes, que de fato o distinguem, são modestos e despojados: pequenas telas esquivas, um tanto oblíquas, que buscam surpreender e iluminar cantos esquecidos do mundo. O que ninguém repara e valoriza, eis o que lhe inflama a retina e o transforma no soberano dos domínios mínimos e perdidos que não contam para o bom andamento do mundo. Um pouco à maneira de seu padroeiro Van Gogh e suas botas estropiadas, sua cadeira singela, a pobreza decente de seu quarto, carregadas de um senso de humanidade tão intenso que excedem a contabilidade do real.
Assim como em Van Gogh, o evento decisivo para a instintiva formação moderna de Miguel Bakun foi o impressionismo: a redução da pintura a fenômeno visual autônomo. O quadro passa a ser um acontecimento visual autossuficiente. Bakun aprende a levá-lo ao clímax e aí deixá-lo em suspenso, a provocar nossos olhos, chamá-lo com urgência a atuar. E que o fizesse com meios toscos, rudimentares, eis outra vez o que depõe a favor do conteúdo de verdade de sua arte. A própria qualidade inferior da tinta que se via obrigado a utilizar, sem brilho distinto, parece imprescindível a essas telas que emocionam justo pela humilde entrega incondicional do pintor a seus motivos recorrentes, escassos, fatais. Elas já não seguem, maravilhadas, a disciplina impressionista ortodoxa de transcrição dos efeitos ópticos. Pertencem difusamente a outra conjuntura cultural, mais grave e desencantada, digamos, protoexpressionista . Por isso elas intervêm sobre a paisagem, recortam-na, ativa e abruptamente, e a reconstroem segundo o modelo do Eu lírico extraviado, refratário ao comércio do mundo.
E, no entanto, a nossa chave de leitura da obra de Miguel Bakun recorre exatamente ao conceito mais amplo de estar no mundo, a enfatizar sua dimensão existencial e, assim, o seu intrínseco caráter moderno. E que, por definição, não cabe em fronteiras regionais. Evidentemente, Bakun não é o cronista ou o explorador estudioso da natureza paranaense. Ele a metaboliza, isso sim, como a principal matéria poética de seu espírito. A rigor, a luz de seus quadros já guarda pouco de cor local – é uma luz pictórica, personalizada, igual a si mesma, quase de todo independente de circunstâncias. Do mesmo modo, suas ligeiras mas efetivas distorções de perspectiva atendem a precisos e singulares cálculos expressivos, nem é preciso repetir, inalcançáveis por meio de regras acadêmicas. Com todos os acidentes de percurso, as inevitáveis concessões, os frequentes altos e baixos – e isso em um ambiente intelectual ainda mais despreparado do que aquele onde trabalhavam Guignard e Pancetti, para citar dois pintores com os quais teria afinidades, e que tampouco escaparam à mesma triste sina – Miguel Bakun acabou por fazer entre nós o que poucos, muito poucos artistas lograram fazer antes da década de 1950: transformar a prática da arte em autêntico modo de vida.
Ronaldo Brito e Eliane Prolik Curadoria
Exposição virtual
O MON está ao lado de grandes museus do Brasil e do mundo na plataforma Google Arts & Culture. Visite nossas exposições em formato virtual.
Conheça mais sobre esta exposição na plataforma Google Arts & Culture.