Um dos principais representantes do abstracionismo geométrico, Ascânio MMM expõe no MON
A obra de um dos principais representantes do abstracionismo geométrico, Ascânio MMM, é apresentada na exposição “Grid”, pelo Museu Oscar Niemeyer (MON). A mostra será inaugurada no dia 7 de julho, na Sala 1, com curadoria de Felipe Scovino.
São aproximadamente 25 obras em grande escala que representam o diálogo que o artista mantém, desde o início da sua trajetória nos anos 1960, com a escultura e a arquitetura.
“Grid” é uma exposição que apresenta os últimos 25 anos de trabalho de Ascânio MMM e sua relação particular com a grade, ou grid, com a grafia em língua inglesa mesmo, como muitas vezes é pronunciada no vocabulário das artes, signo marcante para artistas, como ele, que ajudaram a repensar as bases do pensamento abstrato-geométrico no Brasil.
Ascânio Maria Martins Monteiro nasceu em 1941, em Fão, província do Minho, Portugal. Morador no Rio de Janeiro desde 1959, frequentou a Escola Nacional de Belas Artes (Enba), de 1963 a 1965, e concluiu o curso da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FAU/UFRJ), em 1970. Atuou como arquiteto até 1976.
Participou de duas Bienais de São Paulo (1967 e 1979); da 2ª Bienal da Bahia (1968); da 1ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre (1997), e realizou exposições individuais no Rio de Janeiro (Museu de Arte Moderna – 1976, 1984, 1999 e 2008), Belo Horizonte e São Paulo, além de fazer parte de diversas mostras. Em 1972, ganhou o Grande Prêmio para Escultura, no 4º Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Suas obras fazem parte de coleções, como da Fundação Edson Queiroz, em Fortaleza, do Itaú Cultural e também de acervos do Museo de Arte Contemporáneo de Buenos Aires; Museu de Arte Moderna e Museu Nacional de Belas Artes, ambos no Rio de Janeiro; Museu de Arte do Rio Grande do Sul; Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e Pinacoteca do Estado de São Paulo. Nos anos 2000, foram publicados os livros “Ascânio MMM: Poética da Razão” e “Ascânio MMM”.
“Grid” é uma exposição que apresenta os últimos 25 anos de trabalho de Ascânio MMM (1941-) e sua relação particular com a grade, signo marcante para artistas, como Ascânio, que ajudaram a repensar as bases do pensamento abstrato-geométrico no Brasil. A grade ou grid, com a grafia em língua inglesa mesmo, como muitas vezes é pronunciada no vocabulário das artes, representa também o diálogo que esse artista mantém, desde o início da sua trajetória nos anos 1960, com a escultura e a arquitetura.
Ascânio, como o crítico de arte Paulo Herkenhoff destaca, pertence a uma segunda geração de artistas construtivos baseados no Rio de Janeiro. Depois das ações pioneiras do Grupo Frente (1954-56) e do neoconcretismo (1959-1961), aproximando artistas como Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape e críticos como Ferreira Gullar e Mário Pedrosa em prol de uma produção de cunho experimental que reformulou as bases da escultura e da pintura, assim como do próprio comportamento passivo do público, a geração de Ascânio – e cito artistas como Paulo Roberto Leal, Raymundo Colares, Wanda Pimentel, entre outros – , já envolta na complexa trama da ditadura, prolonga essa capacidade disruptiva que as artes visuais passaram a ter. Lembro que, em 1960, Gullar desenvolveu a “Teoria do não-objeto” como forma de problematizar as novas fronteiras que a escultura e a pintura, agora acrescidas da categoria “objeto” e de sua condição negativa, evidenciando a complexidade das nomeações artísticas no pós-guerra, passariam a elaborar.
Entre as várias contribuições que Ascânio traz ao campo artístico – passando, por exemplo, por seu pioneirismo na ocupação do espaço público, com suas esculturas em grande escala, ou o sentido de participação que a escultura passa a ter em sua icônica série “Caixas”, quando sua estrutura se torna um jogo aberto e propositivo, trazendo um aspecto lúdico à escultura –, algo que é marcante em sua produção é o grid. Mais do que um elemento recorrente, ele é o motor para outras sensibilidades.
O que reúne essas obras, para além do traçado em grade, é a forma como mantém um balanço entre o material, invariavelmente o metal, e a sua capacidade orgânica ou fenomenológica. Como se isso fosse pouco, elas lidam com uma ideia de medida do corpo ou do gesto, pois demandam a presença do espectador, com cada vez mais vontade. A escolha pelos últimos 25 anos de produção recai também sobre o fato de que são obras ainda pouco vistas pelo público – em especial, o paranaense.
Ademais, são obras que podem assumir a posição de invenção de um lugar, pois são mobilizadoras de uma transformação constante de espaços; possuem um interesse em investigar novas produções que vou nomear como paisagens. Na série “Flexos”, por exemplo, a malha vazada das esculturas permite que o nosso olhar “fure” o volume, promovendo não só um diálogo incessante entre arte e arquitetura, mas a própria formação projetual de um território. Por meio de gestos mínimos, Ascânio possibilita que o vazio ganhe forma, através de um jogo de sombras e luz, e se estabeleça como visibilidade e espaço. Arquitetura, aliás, um campo de interesse tão especial para a história do Paraná, é uma das referências que movem o artista em suas criações. Em suas obras, consegue-se perceber, por exemplo, como é engendrado um diálogo com as tradições mouras e o legado que o muxarabi trouxe para a contemporaneidade.
Suas estruturas vazadas operam como um corpo translúcido, ou um grid que se coloca como que aberto ou flutuante às interações e paisagens que o cruzam. Feitas em alumínio, arame e parafusos inox, suas esculturas parecem ser corpos instáveis e moles. Engenhosamente, Ascânio atribui essa qualidade de ar a elementos dos mais pesados, ligados essencialmente à indústria. As obras se fazem nesse processo de nunca se colocarem como completas, fechadas, prontas. Diria também que há uma força própria da cidade que traz dinâmica para essa obra. Se comumente os materiais que Ascânio escolhe para produzir estão conectados ao campo da engenharia e da arquitetura, não é difícil imaginar que eles revelam hipoteticamente a imagem de um canteiro de obras, claro, de outra ordem e consequência. O grid é uma referência a tudo aquilo que remonta à construção, arquitetura, geometria. E esses são aspectos que são amplamente investigados pela artista.
Suas obras, ao delimitarem áreas partindo de um gesto de sobrepor linhas, criam uma relação de figura e fundo, e no limite entre linha e materialidade, com o grid sendo exposto em um intervalo ambíguo que manifesta aparência e dissolução. Revelam simultaneamente tramas e cobogós, levando a nossa imaginação para tempos e lugares distintos e revivendo em nossas memórias, formas e estruturas que fazem parte da nossa própria história e identidade. Ainda no terreno da memória, as estruturas “moles” de “Quacors” e “Quasos”, formadas por dezenas de pequenos quadrados de alumínio interligados por parafusos, emitem um som bem característico. Já em “Qualas”, o farfalhar das peças acaba concedendo uma imagem afetiva à obra.
A força dessas obras está contida em um estado que oscila equilíbrio e ordem, de um lado, e instabilidade e organicidade, por outro. São arquiteturas que exploram a memória e a afetividade de um espaço da cidade. Outro dado perspicaz dessas obras é o fato de que elas são táteis. Há um convite ao toque que elabora uma circunstância de pele mesmo a essas formas metalizadas. Em alguns momentos, como em obras das séries “Qualas” e “Quasos”, quase que se impõe uma vontade de vestir essas obras. Digo que é um grid torto e que assume sua própria condição vacilante. O que há é o grid enquanto sugestão de um espaço que promove encontros e a compleição de uma atmosfera lúdica. Além disso, o movimento não é mais sugerido, mas provocado pelo espectador. É claro que nas referidas “Caixas” o movimento estava lá, mas nas obras dessa mostra há uma liberdade e um campo maior para essa atuação. As potencialidades móveis e sensuais, diria, do grid ganham nova capacidade de ampliação. As variações desse jogo de construção de espaços entre obra e espectador ganham possibilidades quase que infinitas. Não é à toa, portanto, que boa parte das obras tem uma relação, no seu tamanho, com a escala antropomórfica. As obras têm a dimensão do gesto e a escala humana.
“Flexos”, “Piramidais”, “Prismas”, “Qualas”, “Quasos” e “Quacors” exploram, à primeira vista, o rigor de formas e linhas, herança da tradição construtiva na arte brasileira, porém, somos levados por uma narrativa nada formalista que incentiva os jogos ópticos, explora as sutis tonalidades de sombras e altera o formato “perfeito” do grid: o que interessa a Ascânio é uma indisciplina desse plano. Nesse emaranhado de estruturas metálicas, o grid se faz presente como uma estrutura ilusória, capaz de provocar sucessivas dinâmicas, incluindo essa rede de afetos àquilo que costumeiramente é identificado como algo frio, da ordem da construção objetiva.
Felipe Scovino
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