O Museu Oscar Niemeyer tem a satisfação de apresentar a exposição individual do pintor e desenhista polonês Bruno Lechowski (1887 – 1941), que mostra um seletivo número de obras, reunidas dos acervos do Museu e da família do artista. Durante os 16 anos em que viveu no Brasil, este excepcional aquarelista deixou sua influência na arte moderna do País, tornando-se, inclusive, mestre de vários jovens pintores da década de 30, como José Pancetti e outros participantes do Núcleo Bernardelli.
À época, Lechowski, impulsionado pelo ideal de liberdade e democratização da arte – motivação de sua própia viagem pelo mundo -, foi personagem marcante por onde passou, desde que deixou a Europa até aportar no Rio de Janeiro em 1925. A extensa e vigorosa produção de Lechowski até 1941, quando faleceu, foi basicamente realizada nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.
Em todos os lugares em que viveu, Lechowski manteve-se engajado nos principais movimentos artísticos e sociais de seu tempo. Apontado como um ardoroso trabalhador, manteve sua atuação expressiva sempre pautada na pesquisa de materiais, nas combinações cromáticas, na paciente observação das luzes e das cores do País que o acolheu.
Diante de tal personalidade, é com grande satisfação que o Museu Oscar Niemeyer promove a reapresentação da fase brasileira desse artista, concluindo em Curitiba a itinerância da mostra, após ter percorrido algumas capitais européias a convite das Embaixadas do Brasil na Inglaterra, Polônia e Alemanha.
Artista
Bruno Lechowski
Curadoria
Christhine Baptista, Ennio Marques Ferreira, Myrian Sbravati e Wanda Lechowski
Varsóvia, Polônia, 1887 – Rio de Janeiro, Brasil, 1941
Esta exposição revela, pela primeira vez para a Comunidade Européia, uma parcela da numerosa e expressiva coleção de pinturas do artista polonês Bruno Lechowski. Mesmo reduzida, a mostra tem especial relevância por ampliar o alcance de um projeto de pesquisa desenvolvido na cidade de Curitiba, Estado do Paraná, Brasil, para resgatar a magnífica obra desse artista – de alma metade polonesa metade brasileira – e sua notável biografia, promovendo o reconhecimento e a merecida inclusão no contexto histórico da arte moderna.
Bruno Lechowski faz parte da linhagem de artistas que viveu radicalmente a aventura de sua pintura, tratando a arte como missão sublime. Formado no espírito da renovação estilística da arte tradicional russa, nos anos que antecederam a revolução socialista, combinou e interpretou de forma singular os estilos da arte moderna ocidental, compondo imagens de forte carga místico-simbólica. Denominadas Bajka – vocábulo polonês que significa fábulas, lendas, contos –, essas pequenas e densas imagens, coloridas e enigmáticas, produzidas com extraordinária rapidez e perícia, sem retoques ou correções, eram consideradas pelo artista como criações autônomas do espírito, expressão inconsciente de sua sensibilidade imediata. Pela característica cênica, essas imagens foram vistas como extensão do seu trabalho como pintor de decorações e cenários teatrais, ou ainda de ilustrador e dramaturgo. De certa forma, essa integração das múltiplas aptidões artísticas é coerente com os conceitos da ação cultural revolucionária, que propunha uma arte total ou coletiva. Mas é possível supor que a série Bajka – repleta de pura fantasia, transformando realidade em fábula -, tenha servido a Lechowski como pretexto para subordinar a sua atitude crítica frente ao mundo de então, à aparência objetiva da obra de arte.
Em 1924 a série Bajka irrompeu, no conjunto de idéias elaboradas por Lechowski, como conteúdo emblemático de uma viagem artística ao redor do mundo. Com nome e função redimensionados para Świat w Bajcę, que significa “o mundo num conto, numa estória”, seria o seu registro visual do imaginário e da cultura popular de cada região visitada. Origem de um acervo artístico de características universais, a reunião dessas pinturas, no retorno à Polônia, seria a consagração do projeto idealizado: a criação da Casa Internacional do Artista, com sede em Varsóvia e núcleos espalhados por diversos países.
Desafiado pelo ceticismo de colegas, Lechowski apostou trezentos mil zlóty na concretização daquele projeto. As condições estabelecidas eram: dar a volta ao mundo em três anos como andarilho, partindo sem um vintém no bolso, falando só o idioma polonês, sobrevivendo unicamente do trabalho artístico, sem no entanto jamais comercializá-lo, mantendo-se fiel aos propósitos éticos previstos para a futura Casa Internacional do Artista. Projetou então um modelo de exposição-portátil, que serviria também como teto e moradia. Consistia em barraca circular para montagem ao ar livre, formada por placas articuladas de madeira cobertas com lona resistente. Cada "biombo" possuía vários caixilhos, geometricamente dispostos, que serviam de molduras para os quadros. Em meio a verdadeiro ato cívico que contou com a presença do presidente Wojcieschowski e do marechal Jozéf Pilsudski, de pequena multidão de crianças, alunos, artistas, familiares, amigos e muitos curiosos que foram conferir o alarde feito pela imprensa, a exposição-portátil de Bruno Lechowski foi inaugurada na praça central de Varsóvia, dando a largada, na virada do ano 1924-1925, à contagem regressiva da viagem pelo mundo. Durante um ano percorreu diversos países, até desembarcar no Rio de Janeiro em dezembro de 1925.
O contato com a realidade brasileira alterou profundamente a arte de Lechowski. Os elementos simbólicos ainda presentes nos trabalhos do final dos anos 1920, juntamente com as primeiras paisagens produzidas em viagem pelo sul do país, entre 1926 e 1927, marcam a fase de ruptura e transição. Já nos anos 1930, vivendo no litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro, a autonomia criativa se revela nas deslumbrantes paisagens marinhas, urbanas e rurais, repletas de sensações atmosféricas, reestruturadas num desenho vigoroso e no uso inusitado da cor. A dramaticidade plástica resulta, em algumas obras, da combinação de técnicas e materiais diferentes – aquarela, têmpera, carvão, encáustica, às vezes até o verniz –, ou da sobreposição de finas e sucessivas camadas de aquarela, com as quais o artista conseguiu obter a luminosidade e as texturas que são prerrogativas da pintura a óleo. Em alguns casos, a representação sintética e eficaz deixa a finalização do trabalho apenas sugerida.
Lechowski produziu numerosa e expressiva coleção de pinturas, grande parte dispersa pelos lugares por onde andou, outra parte concentrada na coleção familiar. Fiel aos ideais propostos para a Casa Internacional do Artista, evitou vender suas obras, preferindo presentear amigos ou ofertando como forma de pagamento pela hospitalidade que recebia. Por esta e outras razões é que, após sua morte, a família preservou os valores e as características do projeto original, evitando também a comercialização das obras no circuito convencional do mercado de arte.
Daí o especial significado desta exposição, restrita a espaços eminentemente culturais, e que agora – graças ao apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil -, resgatando a original vocação itinerante dessas obras, revela, em primeira mão para o continente europeu, de onde emergiu, uma amostra do surpreendente trabalho artístico desenvolvido por Bruno Lechowski no Brasil.
Christine Vianna Baptista
Pesquisadora de Arte
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